Uma das maiores "fake news" que cerca Ribeirão das Neves é a ideia de que a cidade teria surgido a partir da implantação de seus presídios. No entanto, a socióloga Nayara Amorim, em estudos sobre a dinâmica urbana do município, desmente essa versão, revelando um processo de formação e expansão muito mais complexo e multifacetado.
As três fases do crescimento populacional
Nayara Amorim e outros pesquisadores apontam para três fases distintas no crescimento populacional de Ribeirão das Neves:
Primeiro momento (Fundação até 1960): Remonta aos primeiros povoamentos por volta de 1747, com a construção da Capela de Nossa Senhora das Neves. A cidade passou por diversas vinculações administrativas até sua emancipação em 12 de dezembro de 1953, com os distritos da Sede e Justinópolis, e o Povoado de Areias. A região da Sede foi influenciada pela Penitenciária Agrícola de Neves (PAN), inaugurada em 1938, que gerou empregos e impulsionou o comércio local, embora tenha contribuído para o estigma de "cidade presídio".
Segundo momento (A partir de 1970): Caracterizado por um intenso processo de parcelamento do solo urbano. Com a metropolização de Belo Horizonte, Ribeirão das Neves consolidou-se como uma periferia metropolitana densamente povoada. A década de 1970 marcou um "boom imobiliário", especialmente em Justinópolis, que se conurbou com Venda Nova (Belo Horizonte), impulsionado pela expansão da capital. Neste período, Neves registrou taxas de crescimento populacional recordes no cenário nacional.
Terceiro momento (Anos 2000 em diante): Uma nova tendência de crescimento, marcada pela verticalização dos imóveis. Embora ainda haja ocupação de loteamentos antigos e parcelamentos de solo, a construção de edifícios de pequeno porte, como apartamentos e condomínios horizontais, ganha destaque, especialmente impulsionada por programas habitacionais como o Minha Casa Minha Vida.
Expansão sem planejamento e seus desafios
A rápida e muitas vezes desordenada expansão demográfica de Ribeirão das Neves, sem o devido planejamento urbano e com uma atuação omissa do poder público em décadas passadas, gerou uma série de problemas sociais e urbanísticos. A cidade é um polo representativo das contradições urbanas do capitalismo contemporâneo, marcada pela urbanização espontânea e a periferização da pobreza.
Entre as principais consequências desse crescimento desorganizado, destacam-se:
Segregação socioespacial: A cidade concentra uma população predominantemente de baixa renda, com altos índices de desemprego e baixos níveis educacionais, perpetuando um ciclo de reprodução da pobreza.
"Cidade dormitório": Muitos moradores são obrigados a se deslocar diariamente para outras cidades, como Belo Horizonte, para trabalhar e estudar, enfrentando altos custos de transporte e um sistema de transporte público de baixa qualidade. Isso limita o uso da própria cidade para consumo, lazer e cultura.
Infraestrutura e serviços precários: Há um déficit habitacional significativo, com muitos domicílios em assentamentos precários e loteamentos irregulares. Serviços básicos como saúde e assistência social são insuficientes, exigindo deslocamentos para outras cidades.
Estigma da violência: Ribeirão das Neves convive com altos índices de violência e criminalidade, contribuindo para uma imagem negativa da cidade, muitas vezes reforçada pela mídia. Estudos apontam Neves entre as cidades mais violentas para jovens, especialmente os jovens negros e vítimas de armas de fogo.
Abandono do patrimônio: A construção de uma identidade negativa influencia a noção de pertencimento e, consequentemente, o abandono do patrimônio cultural da cidade, gerando dificuldades em sua preservação.
Verticalização e o futuro de Neves
A tendência recente de verticalização, embora represente uma nova fase de expansão, também impõe desafios, como a necessidade de acompanhamento em termos de infraestrutura e equipamentos públicos. Bairros como Jardim Alterosa, que receberam grandes conjuntos habitacionais, ainda sofrem com a carência de postos de saúde, escolas, creches e transporte público adequado.
Apesar das adversidades, o estudo da sociologia urbana busca compreender as dinâmicas de Ribeirão das Neves como um espaço produzido socialmente, que se transforma e acomoda sua população. O reconhecimento dessas questões é fundamental para a criação de políticas públicas sustentáveis e intervenções sociais que possam melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes e transformar a percepção sobre a cidade.