Por Tiago Toth (@tiago.toth)
Ribeirão das Neves, marcada pelo estigma de “cidade-presídio” e por altos índices de violência letal contra jovens, vive um momento de reorganização de sua memória e de seu futuro. A sanção da Lei nº 4.500/2024, que institui o Dia Municipal de Luta e Conscientização pelo Fim do Genocídio da Juventude Negra – Dia Jefferson Guilherme, é um marco nessa caminhada.
Um crime que se tornou símbolo de resistência
No dia 28 de julho de 2021, o jovem Jefferson Guilherme da Costa Santos, de apenas 20 anos, foi executado com sete disparos — cinco deles pelas costas — em uma ação da Polícia Militar, em Ribeirão das Neves. O laudo pericial derrubou a versão de legítima defesa, e familiares, amigos e moradores protestaram contra mais um caso de violência policial, que atinge de forma devastadora famílias que vivem na periferia.
O caso ecoou como mais símbolo do ‘' genocídio da juventude negra, pobre e periferica, que e penalizada através de uma guerra ineficiente contra o tráfico de drogas’' e levou a uma mobilização social que, em 2024, conquistou a aprovação da lei que eterniza sua memória e transforma sua morte em bandeira política contra o racismo estrutural.
Do luto à luta: a Lei Jefferson Guilherme
A lei estabelece que o dia 28 de julho passa a ser a data oficial de mobilização e conscientização em Ribeirão das Neves, com campanhas educativas, debates públicos, pesquisas e ações de segurança cidadã. O objetivo é claro: lembrar Jefferson e todos os jovens inocentes vítimas de uma guerra que criminaliza a vida nas periferias, e afirmar que nossas vidas importam.
“Não é só uma homenagem. É uma resposta da periferia ao Estado que nos nega vida. É transformar a dor em política, em organização e em memória viva”, afirma o militante Tiago Toth, articulador da pauta que resultou na sanção da lei.
A luta além da memória: desativar os presídios, reconstruir o futuro
Tiago também é membro do movimento #DesativaPJMA ( @desativapjma ), que questiona o modelo de encarceramento em massa que marca a cidade. Ribeirão das Neves abriga 8 unidades prisionais o que alimenta o estigma de “cidade-presídio”.
O movimento denuncia que, em vez de oportunidades, a juventude local herda um território dominado por conflitos e estigmas, pobreza e violência. A luta do #DesativaPJMA não é apenas contra a lógica infrutífera dos presídios em si, mas por um novo ethos social: investir em educação, trabalho, cultura e dignidade em vez de grades e celas.
“Nosso território não pode ser reduzido a presídios. A luta é por um futuro onde a juventude negra e periférica tenha acesso à vida plena, com direito a circular com segurança pela cidade. A cada jovem assassinado injustamente, é uma cidade inteira que perde”, reforça Tiago.
Uma cidade em disputa
Entre a dor da violência do estado, o estigma de “cidade-presídio” e a potência da organização popular, Ribeirão das Neves se tornou um território em disputa. De um lado, estruturas que reforçam desigualdades e a morte precoce da juventude; de outro, uma rede de militantes, coletivos e movimentos que transformam resistência em projeto político.
A Lei Jefferson Guilherme e a mobilização do DesativaPJMA são faces de uma mesma luta: construir uma cidade que não seja lembrada apenas por suas cadeias, ou crimes, mas por sua capacidade de reinventar-se a partir da luta do povo.