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O conflito entre saúde e economia é tão real?

O velho, mas sempre atual Maquiavel, em seu clássico livro "O Príncipe", sentencia que o sucesso de um governo depende do equilíbrio entre duas caraterísticas: “Virtù e fortuna”, que, em bom português, significam virtude e sorte. Nesse sentido, a virtude e a competência de uma equipe de governo o fariam depender cada vez menos do fator sorte. 

Essa lógica, proposta por Maquiavel, é colocada em situação limite em momentos como a atual pandemia do novo coronavírus, em que os infelizes membros que ocupam o governo sofrem do total desequilíbrio nesta balança, sendo que o elemento sorte nesse cenário é praticamente anulado, o que obriga esses governantes a se superarem adotando postura de estadista. A história conta com inúmeros exemplos de figuras que, no momento de crises, não fugiram do desafio imposto por um cenário adverso. Como exemplo, podemos citar o ex-presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt que, após a astronômica crise de 1929 - precedida pela grande epidemia da Gripe Espanhola que matou cerca de 100 milhões de pessoas em todo mundo - restaurou a economia daquele país com a implementação do New Deal, um plano econômico que, basicamente, consistia em uma política de distribuição de renda e geração de emprego.

No caso específico do Brasil, podemos afirmar que o pouco que sobrou de sorte na luta contra a pandemia do novo coronavírus consiste no fato de que, ao contrário do ocorrido na China e na Europa, que tiveram muito pouco tempo para entender a gravidade da situação, dispomos de um relativo tempo para adotar medidas de preparação do nosso sistema público de saúde para enfrentarmos a doença.

O doutor em microbiologia Atila Iamarino, em recente entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, deixou evidente esse trunfo que temos em mãos. Segundo esse especialista, o Brasil tem uma espécie de máquina do tempo nas mãos, pois podemos ter uma boa ideia do que vai ocorrer aqui, caso as medidas propostas pelos infectologistas não forem adotadas com base em países que no momento estão sofrendo com os picos da pandemia. Assim, dispomos da possibilidade de aprender com as experiências europeia e chinesa, o que deve ser feito e, mais importante ainda, sobre o que não deve ser feito, a exemplo do já emblemático caso de Milão, na Itália. Frente ao medo da retração da economia, o prefeito Giuseppe Sala demorou tempo demais para adotar o inevitável isolamento social, e outras medidas indicadas pelos especialistas, e colheu como resultados o colapso do sistema de saúde da cidade e um grande número de mortes.

Mas, voltando ao que disse Maquiavel sobre a arte de governar, parece que o que sobrou de sorte aos governos municipais, estaduais e principalmente ao governo Federal brasileiro, falta em virtude e competência. Assim, ao invés da adoção de uma postura de Estadista e conciliador que o momento exige frente à necessidade de tomada de duras e difíceis decisões, as quais devem ser norteadas por questões técnicas e, muitas vezes, contrariando interesses de poderosos, observamos perplexos o apequenamento de vários líderes políticos no atual cenário. Exemplo máximo dessa iminente tragédia foi a demissão do Ministro da Saúde Luís Henrique Mandetta que tinha como seu maior mérito (considerado pelo governo Bolsonaro seu maior defeito) seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde e dos especialistas em epidemiologia. Nesse cenário, não podemos deixar de fazer alusão à admirável postura do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que resiste bravamente às pressões externas, e faz declarações incisivas em defesa das recomendações dos especialistas que comandam a pasta de Saúde em seu governo.

O Brasil, que sempre foi conhecido como o país de milhões de “treinadores”, que juram ter uma solução rápida, fácil e eficaz para resolver todos os problemas do seu time, no atual cenário, se transformou na pátria de milhões de falsos especialistas que possuem soluções simples e eficazes para o complexo problema da pandemia de Covid-19. O país conta ainda com uma visão que defende que, frente ao iminente caos no mundo, devemos, assim como pregou o já arrependido prefeito de Milão, vivermos nossas vidas como se nada estivesse acontecendo.

E para não falar que eu não estou pensando na economia e, assim como os milhões de falsos especialistas de plantão, só estou puxando a sardinha para o meu lado - devemos ter em mente nesse momento um princípio básico das políticas de promoção à saúde, em que cada real investido em prevenção significa, lá na frente, a economia de cinco reais com tratamentos. No atual cenário, gastos públicos com assistência social e possíveis prejuízos sofridos pelo setor empresarial podem significar, em um futuro próximo, investimento, pois até economistas mais liberais estão defendendo a ideia de que é muito mais fácil recuperar uma economia com dois ou três meses de estagnação da produção e do comércio, do que um país que sofre com o trauma causado por milhares de mortes.

Assim, finalizo com a dica: cuide-se pensando não só em si mesmo, mas também nas pessoas que ama. Se puder fique em casa e, o mais importante nesse momento, escute somente quem realmente entende do assunto, caso contrário, você pode, depois de tudo, assim como o prefeito de Milão, pedir desculpas por erros para os quais não há perdão.

 

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